Imposto de Renda Sobre Juros de Mora

Professor Mazza
23 min readJul 22, 2021

Essa tese é uma nova oportunidade que surge pra gente dar uma virada de mesa na advocacia iniciando os atendimentos em direito tributário. Então essa é uma tese diferente das outras e é aplicável especialmente a situação de servidores públicos, então é legal que nós combinamos aqui advocacia tributária com aspectos da advocacia para servidores e também para quem está de olho em iniciar advocacia na defesa de servidores.

E esse tema, a discussão sobre a não incidência do imposto de renda sobre juros moratórios é especialmente aplicável a precatórios e requisições de pequeno valor cujo credor seja um servidor público e exatamente esse tema é objeto de análise do STF para repercussão geral, é o tema 808 de repercussão geral intitulado “Incidência do Imposto de Renda sobre Juros de Mora recebidos por Pessoa Física” e o STF decidiu que esse e um assunto sim constitucional, sim que tem repercussão geral.

Bom, “ô Mazza, como que eu começo, qual que é o primeiro passo para eu advogar defendendo contribuintes?” Então olha só existe um primeiro passo que consiste na tese mais importante para iniciar na advocacia em favor de contribuintes que é a chamada “não ocorrência de fato gerador”, essa tese de não ocorrência do fato gerador que nós vamos ver daqui a alguns instantes, aplicada ao IR e juros de mora, ela serve para qualquer tributo, é um jeito de você afastar a exigência de taxas, impostos, contribuições de melhoria, impostos, contribuições especiais, empréstimos compulsórios.

Então nós sempre podemos utilizar essa tese, seja lá qual for o problema que o cliente tem; se não for a tese principal, pode ser utilizada como uma tese acessória. E por que que ela é a tese mais importante da advocacia tributária? Porque ela envolve o binômio fundamental do direito tributário, que é o binômio “hipótese de incidência e fato gerador”.

No mundo inteiro o processo de cobrança de tributos funciona do mesmo jeito, a lei define um tipo. A descrição de uma conduta, que nós chamamos de hipótese de incidência no direito tributário, de modo que essa hipótese fica legalmente descrita e quando alguém realiza a conduta descrita na hipótese, essa pessoa passa a ser vinculada a uma outra pessoa na relação jurídica.

No direito tributário, quando a pessoa realiza o fato gerador descrito na hipótese de incidência, ela se torna contribuinte, se vinculando em uma obrigação tributária ao Fisco competente para aquele tributo, é uma tese bastante simples que vale para qualquer tributo, ela se desdobra em centenas de oportunidades diferentes e, entendendo o funcionamento dessa tese você consegue criar as suas próprias oportunidades de negócio na advocacia.

Um dos problemas dessa tese é que a nomenclatura no direito tributário é mais complicada um pouco do que nas outras áreas, se a gente pegar, por exemplo, direito penal, existe no direito penal a hipótese de incidência e o fato gerador, só que o direito penal usa nomenclaturas muito mais simples, a hipótese de incidência o direito penal chama de “tipo”, que é uma palavra muito mais simples, muito mais acessível, veja hipótese de incidência não passa de um tipo tributário, é a descrição normativa de uma conduta, assim como tem lá no código penal “matar alguém”, isso é uma hipótese de incidência do crime de homicídio, existe no direito tributário a hipótese de incidência que é “auferir renda”.

O direito penal deu um nome menor e mais fácil também que o nosso fato gerador, então existe o tipo penal, descrição normativa e abstrata da conduta e existe a realização concreta daquela conduta, que nós podemos chamar grosseiramente de “crime”. No direito tributário também é assim, mas a conduta que se enquadra na hipótese chama “fato gerador”, os nomes hipótese de incidência e fato gerador são mais complexos, mas perceba que a lógica é a mesma de qualquer ramo do direito. O legislador descreve uma conduta prevista na lei, isso é uma hipótese, é um tipo, e quando alguém realiza essa conduta, o direito atribui consequências a esse comportamento estabelecendo relações jurídicas.

É muito interessante esse comportamento porque é o raciocínio primeiro, e o raciocínio matricial para entender bem a diferença entre “mundo do ser” (onde os fatos acontecem) e “mundo do dever ser” (a realidade normativa).

Ô Mazza, como que eu aplico essa tese da não ocorrência do fato gerador à discussão sobre o dever de pagar ou não IR em juros moratórios? Bom, a primeira coisa de todas é você entender que a hipótese de incidência do IR tem dupla previsão: ela está descrita genericamente no art. 153, III, da CF, que afirma que compete à União instituir impostos sobre rendas e proventos de qualquer natureza. Então a CF ao atribuir a competência do IR para a União ela diz isso, a União pode criar um imposto que incida sobre renda e proventos de qualquer natureza.

O que é provento? Provento é a remuneração do trabalho, então o servidor público exerce as funções dele e quando ele é pago, o que equivale ao salário na iniciativa privada, nós falamos que ele tem proventos, tecnicamente chamados de vencimentos. Então proventos ou vencimentos são remuneração pelo trabalho. Já renda é qualquer acréscimo patrimonial que não seja uma remuneração pelo trabalho, então por exemplo, o sujeito tem aplicações financeiras e no final de certo exercício essas aplicações financeiras dão resultado positivo, ele auferiu renda, ele teve um acréscimo patrimonial que não decorreu do trabalho.

O CTN detalha a hipótese de incidência do imposto de renda, então no art. 43, mais ou menos na mesma lógica, que esse imposto de competência da União incide sobre proventos, que é a remuneração pelo trabalho e incide sobre renda que são acréscimos patrimoniais que não derivam do trabalho. Textualmente o 43 do CTN diz que o imposto de competência da União “sobre rendas e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” e aí vem, inciso I, “de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de outros” e II “proventos de qualquer natureza assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior”.

O melhor exemplo pra gente discutir o fato gerador do IR é o caso das verbas indenizatórias, lembrem que toda vez que essa tese da não ocorrência do fato gerador é aplicável, é porque o Fisco está tentando cobrar um tributo sobre uma situação que não se encaixa na hipótese de incidência.

Eu gosto de dar um exemplo que ajuda a ilustrar, é uma metáfora dessa tese da não ocorrência do fato gerador com base naqueles jogos de crianças ou em alguns momentos um teste psicotécnico, que consiste numa mesa com formas geográficas perfuradas e alguns objetos pela mesa. Então tem lá uma tábua com um buraco redondo, um retangular, um quadrado, um pentágono, e sobre a mesa objetos com essas formas, e a atividade consiste em pegar a bolinha e colocar ali dentro do círculo, pegar a peça triangular e encaixar no triângulo da mesa.

Esse é um brinquedo de criança ou um psicotécnico muito básico, veja, usando essa ideia como metáfora, a ideia de hipótese de incidência e fato gerador é uma hipótese muito parecida com isso: o buraco na mesa é a hipótese de incidência, é uma descrição abstrata de algo, as peças são o fato gerador; a não ocorrência do fato gerador consiste em tentar forçar a bolinha no triângulo, tentar forçar o quadrado na bolinha e assim por diante.

Ou seja, a CF e o CTN dizem que compete à União instituir imposto sobre a renda, o Fisco vai lá, pega algo que não tem natureza de renda e tenta encaixar na hipótese, fica forçando o triângulo, por exemplo, no buraco redondo, é exatamente a mesma lógica.

E tem muitos exemplos de não ocorrência do fato gerador, um primeiro exemplo muito importante, é de verba indenizatória, veja, todo mundo que recebe uma verba indenizatória, essa pessoa tem um histórico relacionado a essa verba, porque o o que e uma indenização? Puxando pelo sentido da palavra, indenizar significa “tornar sem dano”, vem de “indene”, IN é uma partícula negativa do latim, indene significa sem dano.

Indenizar é tornar alguém que sofreu um prejuízo em uma pessoa sem danos, portanto, a indenização é sempre a recomposição de uma perda patrimonial, quando uma pessoa é indenizada, primeiro ela sofreu uma redução patrimonial, depois vem a indenização e reestabelece o patrimônio no mesmo nível que estava antes do prejuízo, toda indenização é assim.

Pega por exemplo, a indenização de desapropriação de uma casa que custa 100 mil reais, aí vem o município desapropria essa casa e depois de dois anos me da 100 mil reais em dinheiro. Veja, eu tinha 100 mil reais em forma de um patrimônio imobilizado, uma casa, perdi esses 100 mil reais na desapropriação. Algum tempo depois o poder público me paga 100 mil reais em espécie, eu não tive acréscimo patrimonial, se a gente olhar só para o pagamento dá a impressão que é um acréscimo patrimonial, mas no histórico da indenização não é um acréscimo patrimonial porque a indenização pressupõe essa lógica de três passos: ter um patrimônio, reduzir esse patrimônio e recompor a perda decorrente da redução. Portanto, eu não posso cobrar IR sobre uma indenização, porque isso não é renda, isso não é provento, a indenização é apenas a reparação de um prejuízo que eu sofri.

Outro exemplo muito interessante é de indenização por danos morais e materiais, pega por exemplo, indenização por danos morais. Primeiro a pessoa sofreu uma perda na sua imagem, por exemplo, uma perda na sua estabilidade emocional, uma perda na sua tranquilidade no serviço, há uma redução desse patrimônio não em dinheiro, mas o patrimônio da pessoa como um todo, aí sobrevém a indenização e ela é reparada. Se olhar só para a indenização, de novo, dá impressão que houve uma renda auferida, mas no histórico é apenas a recomposição de um prejuízo que no exemplo que nós demos é de natureza moral.

E toda vez que o poder público paga uma indenização na desapropriação a União quer o IR, toda vez que alguém é condenado judicialmente ao pagamento de uma indenização por danos morais, a União quer lançar um IR, mesmo não tendo ocorrido o fato gerador.

Outros exemplos, imagina a venda não lucrativa de um imóvel, a pessoa tem lá um terreno no valor de 50 mil reais e é um patrimônio na forma de um imóvel, ela vende esse patrimônio sem lucro, por 50 mil reais; incide imposto de renda sobre esses 50 mil reais que entraram na conta do vendedor? Não, porque isso não é um acréscimo patrimonial, é apenas a substituição de um patrimônio imobilizado por um patrimônio ou o seu equivalente em espécie.

Veja, todos esses são exemplos de não ocorrência do fato gerador do IR, a mesma lógica vale para qualquer imposto. Você pega o ICMS, hipótese de incidência “circular mercadorias e serviços”, veja eu não posso cobrar sobre algo que não é uma circulação, é uma mudança de propriedade. Então se eu tenho dois estabelecimentos da minha empresa, eu pego uma mercadoria que eu vendo, um sofá por exemplo, e transporto da matriz para a filial, não houve uma circulação, não houve transferência de propriedade, houve apenas um deslocamento físico.

A situação é de não ocorrência do fato gerador, e também os estados adoram cobrar ICMS nessa situação, aí alguém pergunta assim “ô Mazza, se esses tributos são indevidos nas hipóteses de não ocorrência do fato gerador, por que que o Fisco cobra?” Porque o Fisco existe pra isso, o Fisco cobra porque é o papel institucional dele, na dúvida realizar o lançamento do tributo, é triste que seja assim, mas é desse jeito que o Fisco se comporta. Se você procurar um procurador da Fazenda Nacional, um procurador do estado, do município, um agente de rendas, alguém que trabalhe efetivamente para o Fisco e você perguntar, “olha incide IR sobre verba decorrente de indenização por danos morais?” a pessoa vai dizer incide, aí você vai para um fiscal estadual, “incide ICMS no transporte de uma mercadoria da matriz para a filia?”, ele vai dizer incide. O problema não é deles, é a gente que está perguntando para a pessoa errada.

O Fisco sempre vai dizer que incide, o Fisco tem pressão arrecadatória o tempo todo, então a gente não tem que se impressionar com o Fisco fazer a exigência, nós temos que, defendendo o nosso cliente contra essa exigência mostrar para o juiz que não ocorreu o fato gerador do tributo.

“Ô Mazza, você poderia agora resumir qual é essa oportunidade de negócio? IR sobre juros de mora?” Pois é, vamos ficar na situação do servidor público, que é uma situação mais visível de aplicação dessa tese. Você imagina o cliente servidor, que ganha uma ação judicial contra a Fazenda e é expedido um precatório, então imagina isso, na hora de receber o precatório, uma parte enorme do valor é paga a título de juros pelo atraso no pagamento e aí, nesse momento o Fisco faz a retenção do IR sobre tudo que é pago.

Então imagina isso: eu sou servidor público, eu ganhei uma ação judicial para receber determinada verba, essa verba tem uma natureza indenizatória, imagina por exemplo um auxílio alimentação, isso é uma verba indenizatória, porque o servidor tira do bolso dele o recurso e depois o vale alimentação repõe, isso é uma verba indenizatória, não é uma remuneração pelo trabalho.

Se o servidor, suponha, entra com uma ação na justiça e ganha essa demanda e tem direito a receber na fila dos precatórios, sei lá, 30 mil reais. Quando chega na hora de receber, como a fila dos precatórios demora muito, os 30 não vão ser mais 30, eles vão ser por exemplo, 50 mil reais se o atraso for da ordem de uns 5 anos mais ou menos, de 30 pula para 50 mil reais. Só que esses 50 mil reais têm muita coisa dentro, em primeiro lugar tem o valor principal, o valor histórico, os 30 mil; em segundo lugar tem a correção monetária, que é a recomposição da perda inflacionária; e em terceiro lugar vai ter também os juros de mora, que é um valor devido pelo fato de o poder público atrasar o pagamento do precatório, ao invés de pagar o precatório no ano seguinte, como determina Constituição, o precatório vai ser pago cinco, dez, quinze, vinte anos depois.

E aí o que o poder público faz na hora do levantamento do precatório? Ele pega o valor inteiro, 50 mil reais e retém o IR sobre a verba inteira na fonte. Para cada 100 vezes que o Fisco faz isso com o servidor, em 99% o servidor nem percebe que aconteceu, ainda mais se faleceu o titular do precatório e ele transmite para sucessores, é praticamente impossível você encontrar um servidor que descubra que isso é irregular e que está acontecendo, mas você como alguém que vai abrir uma frente de atendimento na advocacia tributária sendo procurado por um cliente, ou prospectando um cliente nessa situação, você tem que mostrar para ele que o IR não poderia incidir sobre o pagamento inteiro, a gente tem que separar a natureza das verbas, porque se a origem do precatório foi uma indenização, primeira coisa não posso cobrar IR sobre o histórico principal, porque eu estou cobrando IR sobre uma indenização.

Correção monetária, segundo valor. Se o principal é indenização, a correção monetária tem natureza de indenização também porque ela é apenas a atualização monetária do dinheiro, é a recomposição da perda inflacionária, os 30 mil reais do dia do trânsito em julgado viraram 50 mil reais porque foram pagos dez anos depois, mas há uma equivalência desses dois valores se eu considerar a inflação do período, então neste exemplo, de uma verba de natureza indenizatória, não incide IR sobre o principal, não incide IR sobre a correção monetária, e aí vem uma pergunta interessante, e sobre os juros de mora? O que que você acha? Incide ou não IR?

Pensa, os juros de mora são devidos porque o poder público atrasou no pagamento do precatório, aliás tem esse nome de mora porque o Estado está em mora, foi condenado judicialmente a pagar um certo valor e só foi pagar depois do precatório, é preciso indenizar essa pessoa pelo atraso, juros de mora não são fato gerador do IR. E por que que não são? Porque os juros de mora são pagos por culpa da Fazenda Pública, eu não posso punir um particular que recebe uma indenização com juros de mora se o atraso foi do Poder Público.

Se não tivesse havido esse atraso, o dinheiro que o particular pegou poderia estar aplicado na compra de um imóvel, ou uma aplicação em uma instituição financeira, etc. Ele teria frutos dessa aplicação, mas o dinheiro ficou com o Estado, o dinheiro que pertencia ao agente, até que o precatório seja quitado, ficou com o Estado. Eu não posso fazer incidir um IR sobre uma verba que é devida para compensar o atraso do pagamento.

Veja só, nesse exemplo que eu de, do pagamento de uma condenação judicial decorrente de verba indenizatória, nenhum dos três elementos do montante é fato gerador do IR, nem o principal que é a indenização, nem a correção monetária porque a correção monetária segue a natureza da indenização e nem os juros de mora porque eu estaria punindo alguém pelo atraso que a Fazenda Pública teve na quitação do precatório. Então nesse exemplo que eu dei o IR não incide sobre nada, cada centavo retido a título de pagamento de IR é indevido e nós precisamos alertar o servidor público para essa realidade, porque quando ele vai receber ele está tão feliz que depois da fila dos precatórios recebeu, que ele nem vai atrás desse pagamento a mais que houve.

Então veja que interessante, por todas essas razões os juros de mora não são fato gerador do IR e quase sempre o valor que é pago na quitação do precatório não deve IR nenhum. Interessante, exatamente o mesmo raciocínio é aplicável na hipótese de uma OPV, de uma obrigação de pequeno valor.

Não sei se você está familiarizado com o sistema da obrigação de pequeno valor, mas eu quero te dizer como que funciona: a fila dos precatórios está prevista no art. 100 da CF, é uma ideia interessante, toda condenação em dinheiro contra a Fazenda, condenação essa em determinado ano, tem que ser incluída em seu valor na lei orçamentária do ano seguinte para pagamento posterior, por quê? Porque se a decisão judicial transitou em julgado em julho de 2021, não dava para a lei orçamentária prever essa condenação, então qual é o sistema de direito financeiro para essa hipótese?

O art. 100 diz assim: surgindo uma condenação a pagar transitada em julgado, eu incluo no projeto de lei orçamentária anual naquele ano para pagamento no ano seguinte, a ideia não é ruim, ela faz sentido, o problema é que começou a avacalhar, o poder público atrasou uma vez um ano, depois atrasou mais um, aí 3 ou 4 anos de atraso e dali a pouco todas as entidades federativas começaram a atrasar 5, 10, 15, 20 anos no pagamento de cada precatório, a situação é extremamente injusta e absurda.

Aí a cerca de 5 anos atrás, a CF foi emendada para mudar o sistema de pagamento de precatórios e foi criada a requisição de pequeno valor ou obrigação de pequeno valor, respectivamente RPV e OPV. E no que consiste a RPV e a OPV? A CF diz o seguinte: se houver uma condenação a pagamento contra a Fazenda e essa condenação for de um valor inferior ao que a lei prevê não vai gerar precatório, a pessoa não vai ter que esperar 5, 10, 20, 30 anos para ver a cor do dinheiro, a mesma lei que estabelece o teto de pagamento da OPV vai dizer um prazo dentro do qual a Fazenda tem que fazer a quitação, esse prazo normalmente é de dois meses.

Se o poder público não pagar dentro do prazo que a lei prevê — como regra, de dois meses — o juiz mandará sequestrar aquele valor de uma conta corrente do poder público e aí, uma vez sequestrado o valor de uma conta corrente, vai ser feita a quitação da RPV de qualquer jeito. Esse é um sistema muito justo para quem é credor de pequenos valores e mudou completamente a advocacia tributária e a advocacia em favor de servidores, mas o interessante é você perceber que no levantamento de precatório, quando é retido na fonte o IR sobre tudo, a gente tem que destrinchar a natureza de cada parte do pagamento, na RPV ou na OPV é exatamente a mesma coisa.

Quando o poder público vai quitar o pagamento da RPV ou OPV, que é a mesma coisa, é normal fazer a retenção do IR sobre tudo na fonte e também tem um valor principal, uma correção monetária ainda que aplicada em um período curto de dois meses e juros de mora, porque a pessoa não recebeu na data do trânsito em julgado, ela foi receber dois a três meses dali. Então a mesma análise de pegar o montante e dividir em principal, que é o valor histórico, correção monetária e juros de mora, o mesmo raciocínio que vale para precatório vale para OPV. Na dúvida o poder público faz a retenção de IR tendo como base de cálculo o valor inteiro e nós, na defesa do contribuinte é que temos que acionar a justiça, entrar com uma ação judicial para mostrar que aquela retenção foi indevida.

“Ô Mazza, você está falando muito sobre precatórios e OPVs de natureza indenizatória. Ok Mazza, eu entendi que se há uma desapropriação por exemplo, e a pessoa perde o bem para o poder público e depois de um tempo recebe o equivalente ao que valia aquele bem em dinheiro não incide IR. Isso eu entendi Mazza, mas a única origem possível de precatório e RPV é verba de natureza indenizatória?” Não.

Existem precatórios e RPVs de origem remuneratória, e como que você entende isso? Eu vou te explicar. Toda verba que o poder público é condenado a pagar judicialmente, que gera uma OPV ou precatório pode ter uma de duas naturezas diferentes: ou é uma verba indenizatória que repõe o prejuízo, ou é uma verba remuneratória, que não repõe prejuízo, a verba remuneratória é uma contra prestação pelo trabalho exercido por determinada pessoa, no caso por um determinado servidor.

Então imagine, por exemplo, o sujeito é servidor público federal e tem lá os seus vencimentos na casa de dez mil reais, por alguma razão a legislação determina um aumento de 20% nessa remuneração e de 10 ele deveria receber 12. Só que o poder público descumpre a lei, ao invés de pagar a partir do mês da entrada em vigor da lei os 12 mil, como determina o parlamento, o poder público continua pagando dez, ignorando o aumento nos vencimentos — isso vale para aposentadoria também — ignorando o aumento nos proventos de aposentadoria.

Esse servidor entra com uma ação judicial pleiteando os 2 mil reais que ele deixou de receber desde a entrada em vigor da lei até o trânsito em julgado da decisão. Essa verba não é indenizatória, essa verba é uma verba remuneratória, porque o servidor deveria receber isso para contra prestar ou como uma contra prestação por uma atividade que ele exerceu, a atividade não foi paga, mas é uma remuneração.

Verba remuneratória é acréscimo patrimonial, como o salário é um acréscimo patrimonial, eu não posso dizer que o salário é uma indenização, não, ele é uma remuneração. Por isso a gente sempre tem que pensar assim: o servidor público recebe dinheiro do poder público a dois títulos diferentes, ou é uma remuneração pelo trabalho ou uma indenização pelo prejuízo que o estado causou. E aí que vem a jogada, tudo que o servidor público recebe nós como advogados temos que dividir entre natureza remuneratória e natureza indenizatória.

Quase todos os servidores públicos no Brasil têm o valor principal de remuneração, o valor principal de vencimentos né que é a nomenclatura que a gente usa igual salário na iniciativa privada, a gente fala de vencimentos para o servidor na ativa. E tem também “penduricalhos”, que são acréscimos de pagamento sobre o valor principal, a CF tentou evitar esses penduricalhos criando um sistema especial que é um sistema de subsídio, então em algumas carreiras e funções típicas de poder o servidor não recebe principal mais penduricalhos, ele recebe uma parcela única, diz a CF e aí essa discussão não faz sentido.

Mas quem não está no regime de subsídio, quando recebe o valor no final do mês tem um monte de coisa junto, tem o principal, tem o penduricalho, tem indenizações, tem abonos, tem gratificações de toda natureza e o que o poder público faz? Desconta IR sobre tudo, porque é um IR retido na fonte. Então o servidor já recebe o “salário” descontado o IR retido na fonte.

Essa situação se agrava pelo fato de, embora o IR ser um imposto federal, de competência da União, descrito no art. 153 da CF, há uma norma da CF distribuída entre os art. 157 e 158, que diz que quando o poder público está pagando para o servidor dele determinada remuneração, o IR que incide na fonte não vai para a União, vai para a entidade pagadora, é uma regra de repartição de receitas, se você quiser ver, está no inciso I dos art. 157 e 158, então , “competem aos estados, DF e municípios 100% do IR retido na fonte sobre os seus servidores” e aí por isso que o poder público desconta tudo fazendo tábula rasa de verbas indenizatórias, ele desconta tudo porque ele fica com a grana, então se o servidor é de Belo Horizonte, um servidor municipal, o município de Belo horizonte faz o desconto porque vai fica para ele, município, embora o IR seja federal, é uma regra constitucional de repartição de receitas.

Se o estado de MG vai pagar um servidor estadual e faz a retenção do IR na fonte sobre os vencimentos ou proventos desse servidor, o IR fica com o estado, não é repassado para a União, então existe um altíssimo interesse, interesse patrimonial da entidade pagadora em cobrar a maior quantidade possível de IR, porque isso vai para o bolso dela.

Então você entendeu qual é o cenário que está por trás dessa tão importante oportunidade sobre a qual o STF se manifestou dizendo que há repercussão geral nesse tema 808 que eu mencionei? Entendeu como funciona? Então na prática nós vamos pegar o valor inteiro que o servidor recebe, vamos analisar parte por parte, às vezes a gente só consegue saber o que está sendo pago entrando com uma ação de exibição de documento, porque o poder público às vezes você pede e ele não informa em tempo hábil qual a natureza daquele pagamento, verificar se o IR retido na fonte não está incidindo sobre parcelas remuneratória, o que vai estar incidindo, e aí a gente separa verba remuneratória e verba indenizatória.

O que é verba remuneratória o imposto está correto e o que é verba indenizatória tem que ser devolvido, e isso também se aplica em condenações judiciais. Se um precatório ou uma RPV forem expedidos por condenação da Fazenda Pública, em favor de um servidor público, também vai ter esse pacote de elementos componentes do pagamento: o valor histórico principal, a correção monetária e os juros de mora, no mínimo.

E o raciocínio é precisamente o mesmo, na hora de fazer o levantamento, a quitação do precatório ou da RPV, você vai ver que o valor é inferior do trânsito em julgado, porque o poder público fez a retenção do IR na fonte e uma oportunidade incrível é essa, nós advogarmos na restrição desse valor ou na compensação desse crédito para um cliente servidor público que teve IR descontado indevidamente sobre a sua fonte pagadora, ok?

Então resumo da nossa conversa de hoje: quando o servidor público tem em favor de si um precatório expedido ou uma RPV, no momento do proveito econômico, vale dizer, quando esse servidor vai levantar o recurso ao final da fila de precatórios ou após o prazo da RPV o poder público sempre vai descontar o IR na fonte sobre tudo, e qual é o nosso papel como advogados do contribuinte?

Nós vamos propor uma ação judicial mostrando que pelo menos na parte de natureza indenizatória essa retenção foi indevida e que o nosso cliente tem direito à repetição do indébito, receber de volta esse imposto e tem direito a não pagar o imposto nas próximas oportunidades se ele for calculado sobre verba indenizatória.

“Ô Mazza, como que eu sei se uma verba tem natureza indenizatória ou remuneratória, isso consta do próprio documento do precatório e da RPV, quando a ordem de precatório for expedida, vai ter uma descrição da natureza dessa ordem, da origem, de onde veio esse precatório e essa descrição vai dizer se origem é remuneratória ou indenizatória e lá na frente, quando for levantado o valor do documento, a autoridade fiscal vai se pautar pelo que está descrito no precatório e na RPV para ver se incide IR sobre tudo, sobre uma parte ou sobre nada.

O que costuma acontecer é que essa informação no documento do precatório, no documento da RPV, vem errada, às vezes é por distração, nem sempre é por má-fé, pode ser por má-fé também, mas costuma acontecer de a informação dar conta de que se trata de uma verba remuneratória quando é uma indenização e aí dá um trabalhão lá na frente e para nós, advogados, isso é uma oportunidade.

“Mazza, vou refazer a pergunta: se não incide IR sobre juros de mora, por que que o Fisco desconta?” Te, várias razões para o Fisco fazer esse desconto indevido. Primeiro é a postura mais fácil e mais cômoda, você cobra sobre tudo, mesmo que haja um montante indevido e aí fica esperando as pessoas reclamarem, de 100 pessoas que pagaram indevidamente, quantas vão reclamar? Uma, meia pessoa, às vezes nenhuma, então vale a pena estabelecer um procedimento totalmente ilegal e inconstitucional, mas um procedimento de realização dessa conduta, desse abatimento em todas as vezes, porque o poder público sabe que acaba compensando, já que quem vai reclamar é uma quantidade ínfima de servidores.

Portanto, segunda razão para o Fisco fazer a exigência desse IR, mesmo não sendo fato gerador, por causa de uma pressão arrecadatória. Por que que advogar contra a Fazenda — eu tenho batido nessa tecla — é o seu futuro na advocacia? Porque advogar contra a Fazenda é o futuro DA advocacia no Brasil. Vejam, quando a gente advoga contra a Fazenda, nós estamos em um mercado — advogar contra a Fazenda é defender contribuinte ou servidor, que são as duas frentes de atendimento que eu tenho sugerido que você abra no escritório — o Fisco ele sempre precisa de mais recurso, porque o custo da máquina pública só aumenta, é muito raro no Brasil você ter uma redução no custo da máquina pública, há um endividamento crescente e uma pressão para que se arrecada cada vez mais.

Além de se arrecadar cada vez mais, existe uma pressão para que poder público gaste cada vez menos. Veja, arrecadar mais é atropelar os direitos do contribuinte, como que o poder público tem dinheiro? Cobrando tributo. Gastar menos é sacrificar direito do servidor, então em momentos de crise econômica como o que nós vivemos hoje, é muito natural que esses dois ramos cresçam, o tributário e a defesa de servidores.

Isso garante um mercado por décadas para nós, é uma oportunidade incrível por quê? Eu digo isso em todas as minhas lives: não tem hipótese de a situação do contribuinte e do servidor público melhorar no Brasil. As situações do servidor e do contribuinte não vão melhorar, pelo contrário, a pressão arrecadatória decorrente da crise fará com que cada vez mais sejam sacrificados direitos do contribuinte para aumentar a receita e direitos do servidor para diminuir a despesa.

Então das razões que eu estou elencando aqui para o poder público cobrar IR sobre uma verba moratória de juros de mora que não tem natureza de renda, postura mais fácil e cômoda, pressão arrecadatória e tem o desconhecimento como terceira razão. Nós não podemos pressupor a má-fé do Fisco e de seus servidores, então não é necessariamente que eles estão de má-fé, podem estar, a máquina pública pode estar de má-fé e isso ser uma política pública de determinado governo, repassada para os servidores públicos de cobrar errado e deixar ver o que acontece quando a justiça dali a dez anos se for o caso determinar a restituição, mas existe também muito desconhecimento, a máquina publica está girando, a estrutura humana do Fisco é cada vez mais retalhada pelo poder público, há um sucateamento da máquina pública e esse sucateamento implica em uma estrutura deficitária das procuradorias, das secretarias de Fazenda, o servidor está lá trabalhando por dois, trabalhando por cinco e é natural que ocorram erros, até para facilitar a vasão de tanto serviço, então uma terceira razão que eu indico para o poder público cobrar IR sobre juros de mora ainda que isso seja incorreto, é o desconhecimento das regras do sistema.

Uma quarta razão para o Fisco cobrar IR sobre juros de mora mesmo sabendo que os juros de mora não são fato gerador do IR é que pode haver uma controvérsia sobre a natureza dessa verba. É o que eu disse, se você perguntar para autoridades do Fisco se incide ou não IR sobre verba decorrente de juros de mora eles vão dizer sim, a culpa não é deles, eles passaram em concurso e ganham bem para isso, a culpa é da gente, que perguntou para a pessoa errada. Então pode existir uma controvérsia na origem e na natureza dessa verba, essa é uma quarta razão.

E quinta razão, eu já expliquei, o percentual de quem reclama pela cobrança indevida é ínfimo, é desprezível, é uma quantidade muito pequena, de modo que compensa uma política como essa de cobrança de um tributo indevido porque no final do dia a arrecadação com base na cobrança indevida será muito maior do que as condenações judiciais e a restituição desse indébito, e uma triste realidade, no Brasil os gestores públicos anda têm essa cabeça muitas vezes atrasada — é claro não são todos — de criar um problema hoje para criar a receita e empurrar esse problema para ser resolvido nas próximas gestões, quantas vezes um prefeito e eleito, ou um novo presidente, um governador e eles herdam uma máquina pública absolutamente deficitária, porque os gestores anteriores, os governos anteriores foram irresponsáveis fiscalmente e aumentaram uma dívida que só vai cair na conta do poder público dali cinco, dez, quinze anos, quando não e mais aquele governo que está responsável pelos cofres públicos.

Então, resumo: “ô Mazza, se não existe IR sobre juros de mora, por que que o Fisco desconta?” Primeiro porque é a postura mais fácil e mais cômoda, segundo porque há uma pressão arrecadatória para aumento de receita, terceiro porque pode haver um desconhecimento da natureza da verba, quarto porque há situações em que há uma controvérsia sobre a natureza remuneratória ou indenizatória de uma verba e quinto porque o percentual das pessoas que reclamam pelo pagamento indevido compensa, é um percentual ínfimo, então essa política de cobrança equivocada no final do dia como a gente gosta de dizer acaba trazendo mais receita do que dores de cabeça decorrentes de ações judiciais.

Valeu, muito obrigado, nos vemos no próximo episódio.

Tchau!

Transmitido ao vivo em 13 de jul. de 2021

Assista ao vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=AbkqGm5V-n8

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Professor Mazza

Professor de Direito Administrativo e Tributário. Minha missão é o sucesso. www.escoladomazza.com.br